O acesso às ações e serviços de saneamento básico como um direito social – Patricia Borja e Luiz Moraes
(Fichamento feito por Elisete Vidotti)
Saneamento básico: política social ou política pública?
“Nos países centrais, onde as questões básicas de saneamento já foram superadas há muitas décadas, as ações de saneamento básico são tratadas no bojo das intervenções de infraestrutura das cidades. Nos países ditos em desenvolvimento e subdesenvolvidos, as ações de saneamento básico deveriam ser encaradas como uma medida de saúde pública” (página 02).
O saneamento na história:
- Idade Média: “esmagamento da minoria que detinha os atributos do conhecimento” (MENEZES, 1984), o que gerou insalubridade ambiental e epidemias;
-Mercantilismo: nascimento do comércio e indústria e de uma nova classe social, a burguesia. Nessas cidades se consolidam então, o governo central e o Estado Nacional, que algumas vezes assumiam as ações de saúde pública, mas no geral cabia à comunidade local cuidar dos problemas de saúde (ROSEN, 1994);
- Revolução Industrial: surge o pré urbanismo como disciplina, devido às preocupações higienistas no período, com a crescente industrialização e preocupação das condições de vida do proletariado. “As preocupações sanitárias se ampliam com a chegada da cidade industrial e que existia uma forte relação entre produção da cidade, condições de saneamento básico e nível de saúde da população” (página 03);
“Assim, apesar dos avanços e recuos, as ações de saneamento tiveram uma relação com a saúde pública. Porém, o fato dos países centrais terem atingido a salubridade nas suas cidades, o saneamento básico deixou de fazer parte do elenco de preocupações dos governos e da sua população. Porém, a poluição das águas e do ar tomou a cena da problemática da saúde pública, fazendo emergir novas enfermidades e todo um movimento relacionado à defesa do meio ambiente. No entanto, nos países periféricos ainda persistem níveis baixos de serviços de saneamento básico, constituindo-se os mesos em importante medida de saúde pública” (página 03).
Saneamento: BÁSICO E AMBIENTAL.
“A definição clássica de saneamento básico explicita ser essa ação ‘o conjunto de medidas que visam a modificar as condições do meio ambiente, com a finalidade de prevenir doenças e promover a saúde” (MENEZES, 1984)
“Saneamento básico é uma ação entendida, fundamentalmente, como de saúde pública, que compreende abastecimento de água, coleta e disposição adequada dos esgotos e do lixo, drenagem urbana de águas pluviais, controle de vetores transmissores de doenças e atividades relevantes para a promoção da qualidade de vida” (BAHIA, 1989).
“Saneamento ambiental é entendido como o conjunto de ações técnicas e socioeconômicas, entendidas fundamentalmente como de saúde pública, tendo por objetivo alcançar níveis crescentes de salubridade ambiental, compreendendo o abastecimento de água em quantidade e dentro dos padrões de potabilidade vigentes, o manejo de esgotos sanitários, resíduos sólidos e emissões atmosféricas, a drenagem de águas pluviais, o controle ambiental de vetores e reservatórios de doenças, a promoção sanitária e o controle ambiental do uso e ocupação do solo e a prevenção e controle do excesso de ruídos, tendo como finalidade promover a melhorar as condições de vida urbana e rural” (SECRETARIA NACIONAL DE SANEAMENTO AMBIENTAL, 2003).
“A noção de saúde como um direito surge nos anos 80 em meio ao debate sobre a Reforma Sanitária e em um ambiente marcado por intensos movimentos sociais e políticos. Naquele momento, entendia-se a saúde como um direito do cidadão. A Saúde passa a ser vista como a arte de integrar as ações preventivas de massa com as ações curativas individuais, não estando, portanto, confinada à atenção médica. Dessa forma, resgatava-se o caráter da saúde como um bem público, como um direito social de todo cidadão. Esses pressupostos significaram um avanço histórico” (ABRASCO, 1985).
ABRASCO – Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.
Esses conceitos vão inspirar os conceitos de saneamento como uma política pública.
“Ao realizarem uma reflexão sobre a Reforma Sanitárias e o saneamento, defendem que essas ações se constituem uma medida de saúde pública, embora não deixem de pontuar sua relação com a infraestrutura das cidades. Dentre as sugestões apresentadas para a formulação de uma nova política de saneamento, podem ser destacadas: RESPONSAILIDADE DO ESTADO na prestação dos serviços; coordenação e gestão das ações por meio de órgãos colegiados nos TRÊS NÍVEIS DE GOVERNO; PARTICIPAÇÃO SOCIAL, desde a identificação das necessidades à definição de prioridades, das soluções adotadas, planejamento, acompanhamento e avaliação; eliminação da lógica exclusivamente empresarial; DESCENTRALIZAÇÃO, com fortalecimento dos MUNICÍPIOS; ARTICULAÇÃO ENTRE OS VÁRIOS ÓRGÃOS envolvidos nos três níveis de governo; e prioridade definida segundo critérios epidemiológicos” (páginas 05 e 06).
“Naquele momento (década de 80) e até hoje, duas noções estão colocadas: a primeira considera o saneamento básico como uma medida de infraestrutura das cidades, como um investimento necessário à reprodução do capital, como um serviço que deve ser submetido à lógica empresarial, tendo a autosustentação como um pressuposto fundamental, e a segunda, como uma medida de saúde pública e, consequentemente, integrante da política social” (página 06)
“Essa limitação ao acesso através das leis de mercado indica outro aspecto restritivo da política pública para o setor: o saneamento foi encarado como um investimento financeiro que devia ser remunerado a preços de mercado. Obviamente que essa não deve ser a lógica para o setor, caso ele possa ser pensado não só como mais um investimento em infraestrutura rentável à reprodução do capital, mas como um item da política social” (COSTA E FISZON, 1989).
Projetos de Lei que contemplavam políticas de saneamento como direito universal e de responsabilidade do Estado foram vetados no governo de FHC (1995), que delineava sua diretriz política de privatização dos serviços de saneamento (página 07).
“Seguindo outra orientação, também em 1995, o governo FHC divulga a Política Nacional de Saneamento. Essa política tinha como elementos centrais a modernização e flexibilização na prestação dos serviços, com a privatização assumindo um papel estratégico, definindo-se como prioridade a definição de marcos para a regulação e o controle da política, conforme orientações do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional” (páginas 07 e 08).
“Heller (1996), aos discutir o quadro legal e institucional do saneamento no Brasil na década de 90, considerou que existia por parte do governo a intenção de privatizar os serviços de saneamento. O autor apontou a universalização e a equidade como pontos fundamentais, além da ampliação do conceito de saneamento; a extensão dos benefícios a todas as parcelas da população; introdução da visão de saúde pública na prática do saneamento; criação de fóruns de decisão, dentro outros” (página 08).
Temos, no Brasil, dois pólos para a política do saneamento:
-Ideias democráticas: descentralização; fortalecimento do papel do Estado; resgate do poder municipal e participação popular;
-Lógica neoliberal: privatização dos serviços de saneamento. Atividade empresarial e ligada ao mercado;
“Em 2003, o recém empossado governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio do Ministério das Cidades, elabora um documento intitulado ‘Política Nacional de Saneamento Ambiental’, no qual sçao indicados os princípios de uma política pública de saneamento que incorpora os debates anteriores, a saber: universalidade, integralidade das ações, equidade, participação e controle social, titularidade municipal, gestão pública e integração institucional. Por outro lado, as áreas econômica e de planejamento do Governo Lula indicam como solução para a infraestrutura do país, o uso de Parceria Público Priva (PPP), inclusive para a área de saneamento básico, sendo então aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, a Lei n 11.079/2004, que ‘institui normais gerais para licitação e contratação de parceria público privada no âmbito da administração pública” (página 09).
Em 2005 é aprovado outro projeto de Lei que contempla a democratização, universalização, participação social do saneamento básico.
“Das discussões, percebe-se que as ações de saneamento básico têm sido tratadas, às vezes, como uma política social e, dessa forma, como um direito social; em outras como apenas uma política pública, passível de ser submetida à lógica de mercado. Essa ambiguidade se traduz não só no campo teórico como na ação governamental” (página 09).
“O saneamento básico é uma meta coletiva diante de sua essencialidade à vida humana e à proteção ambiental, o que evidencia o seu caráter público e o dever do Estado a sua promoção, constituindo-se em um direito social integrante de políticas públicas e sociais” (BORJA, 2004).
O saneamento básico é intrinsecamente ligado ao contexto social e político do momento. Os conceitos e teorias são construídos no homem a partir de sua cultura, produto do contexto social e político de uma época.